Durante a passagem de Rafael Nadal pelo Brasil em fevereiro de 2013,
tive a oportunidade de conversar com o seu técnico, Toni Nadal,
responsável pelo desenvolvimento da solidez mental do fenômeno espanhol.
Aquele momento marcava o retorno do tenista ao circuito mundial após
sete meses afastado por conta de uma grave lesão no joelho. E foi nessa
conversa em que comecei a perceber os pilares que sustentam toda a
trajetória de sucesso de Rafa: educação, humildade e comprometimento.
Ao encontrá-lo, Toni disse que poderia falar comigo depois do treino
do sobrinho com o brasileiro Pedro Zerbini, 464º colocado do ranking até
então. Após 45 minutos de atividades, o enxadrista de Mallorca,
atenciosamente, me atendeu e foi diretamente respondendo minha questão
apontando para a importância de formar, primeiro, pessoas e depois
jogadores. Segundo ele, o esporte pode ajudar a educar as crianças e
formar o caráter de cada um. "Rafael Nadal nunca quebrou uma raquete,
pois os valores foram aprendidos desde cedo", disse.
Ao ouvir isto me lembrei das seguintes palavras que Toni deixou no
livro 'Rafa, minha história': "O problema hoje em dia é que as crianças
se tornam o centro das atenções de forma exagerada. Os pais, a família,
todos a sua volta as colocam em um pedestal. Tanto esforço é feito para
aumentar a autoestima, de forma que elas se sentem especiais sem terem
realizado nada. Ficam confusas, não conseguem compreender que não somos
especiais pelo o que somos, mas pelo o que fazemos. Vejo isso o tempo
todo e depois, se elas ganham dinheiro e ficam um pouco famosas, tudo se
torna fácil e ninguém as contradiz em momento algum. Todos os seus
mínimos desejos são satisfeitos e elas se tornam pirralhos mimados e
insuportáveis. Isso é tão comum no esporte profissional, que o
surpreendente é um jovem atleta brilhante se comportar não como um
pirralho, mas como um ser humano decente".
Por falar em educação, ainda me lembro bem dos murais da faculdade de
psicologia, onde havia uma frase de Eduardo Galeano, escritor uruguaio,
que dizia: "Somos o que fazemos, principalmente o que fazemos para
mudar o que somos". Neste ponto, Pedro Zerbini é um grande exemplo de
que o esporte e a educação podem caminhar juntos. Como me disse Toni, o
jovem brasileiro se formou em desenvolvimento econômico em Berkeley,
Califórnia, e teve bons avanços no ranking antes de abandonar a carreira
profissional no tênis.
A conversa sobre o legado fazia Toni pensar, e rapidamente ele
enfatizou a palavra humildade. Acrescentou ainda que, sem o respeito por
si e pelo outro, não se constrói bons comportamentos. Novamente fui ao
livro e revi suas palavras sobre humildade. "Vocês devem praticar a
humildade, ponto final. Não há nenhum mérito nisso. E eu não usaria a
palavra humildade para descrever Rafael. Ele sabe qual é o seu lugar no
mundo. Todos deveriam saber. A questão é que o mundo já é grande o
bastante sem que você também se ache grande. É simplesmente uma questão
de saber quem você é, onde está e ter consciência de que o mundo
continuará exatamente igual sem você".
Confesso que as palavras de Toni sobre humildade ficaram na minha
cabeça. Afinal, o que significa humildade? Passei a fazer essa pergunta
aos meus clientes (pacientes) e me surpreendi com as respostas, como "é
não ser achar melhor que ninguém" ou que "a humildade permeia o sucesso e
o fracasso". Sobre isso, a russa Helena Blavatsky disse uma vez: "Seja
humilde se quer adquirir sabedoria. Seja mais humilde ainda quando a
tiver adquirido". No dicionário Michaelis, encontrei uma definição que
achei o máximo. "Virtude pela qual reconhecemos nossas limitações".
Inevitável associar humildade com a história de quando Toni brigou para
que Nadal não ficasse no mesmo hotel que os grandes jogadores quando
Rafa ainda estava apenas entre os 50 melhores do mundo. O tio disse não a
todo glamour e regalias de um grande torneio, alegando que aquilo não
era para seu pupilo. "Era preciso reconhecer que ele ainda não era um
grande jogador", argumenta.
A conversa foi chegando ao fim e ele assertivamente me disse que era
hora de atender sua família no telefone. Fiquei pensando no quanto
aquela figura poderia acrescentar ao tênis. Entretanto, tive a sensação
de que ainda faltava algo.
Em São Paulo, durante o Brasil Open de 2013, Rafa declarou que não se
considerava favorito para ganhar o torneio. Exemplo de humildade?
Reconhecer as limitações pode tornar as pessoas mais fortes mentalmente?
Evidentemente que isso também deve vir acompanhado de um terceiro
benefício que forma o tripé do legado de Nadal, que é o comprometimento.
Ele leva muito a sério sua profissão. Assumir um compromisso com o
esporte vai muito além de treinar algumas horas por dia. Se comprometer é
ser verdadeiro consigo mesmo no sentido de fazer o que for necessário
para ser o melhor que se pode ser. Um grande jogador de tênis sabe que
precisa fazer sacrifícios. Para ser o melhor que você puder ser, em
qualquer setor da vida, você tem que se comprometer. Segundo o lendário
treinador Nick Bollettieri, "assumir um compromisso não significa que
você será o melhor do mundo, mas que você será o melhor que puder ser e
isto por si só deveria trazer satisfação".
Após aquele longo período sem jogar devido à lesão no joelho, a
melhor definição para a volta de Rafael Nadal às quadras eu encontrei na
frase do americano Bob Knight, que diz: "A vontade de se preparar
precisa ser maior que a vontade de vencer". Obrigado, Rafa. E que
possamos colocar em prática tudo o que você nos deixa.
Fonte: www.tenisbrasil.com.br
Por Apariciope Meneses
Ex-tenista profissional, 'Pê' é formado em
administração de empresas. Psicólogo e pôs graduado em Hipnoterapia
Cognitiva, Trabalha há três anos com João Feijão Souza e há dois meses
com Paula Gonçalves.
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